quinta-feira, 13 de maio de 2010

Futuro do triathlon brasileiro, ou seria presente ?

Retirado do site mundotri.com.br -

Em mais uma entrevista exclusiva da série “O futuro do triathlon olímpico brasileiro”, conversamos com Sandra Soldan, uma das três maiores triatletas brasileiras de todos os tempos. Sandra Soldan já foi a melhor brasileira colocada no ranking da ITU da história, com uma incrível 5ª colocação, além de ter ficado em 11ª lugar nas Olimpíadas de Sydney (estréia do triathlon nos Jogos), melhor resultado latino-americano até hoje. Sandra foi ainda Campeã Mundial de Aquathlon em 2002 e representante brasileira nas Olimpíadas de Athenas (2004). Atualmente, Sandra é médica da ABCD – Agência Brasileira de Combate ao Doping, desempenhando uma função no controle de dopagem.




MundoTRI: O Brasil não teve o desempenho esperado nas últimas Olimpíadas e o mesmo aconteceu nos últimos mundiais de triathlon. Na verdade, temos levado cada vez menos atletas nesses eventos. Você atribui esses resultados a algum fator especial?



Sandra Soldan: Sim, nada vem à toa. Muito menos em um esporte de longo prazo e que requer uma estrutura grande e custosa. Ao meu ver, foram vários fatores juntos que resultaram neste retrocesso do triathlon nacional. E de todos os lados, desde a falta de visão no futuro por parte da CBTri, sem selecionar os melhores e mais competentes profissionais de cada área para lhe assessorar, com experiência comprovada por mérito, o que é essencial para o esporte de alto rendimento, montando uma equipe multi- disciplinar, que irá trabalhar conectada com os grandes centros internacionais do esporte de alto rendimento. O intercambio internacional é vital, em todos os níveis.



Outro ponto importante seria o de ter aproveitado melhor a experiência de tantos anos dos atletas olímpicos para passá-la aos atletas emergentes. Esta troca é muito importante, pois, apesar de ser um esporte individual, se trabalha em equipe. Isto já foi demonstrado e comprovado ser eficaz, em todos os Jogos – Pan-Americanos e Olímpicos – e por todos os países que o fazem. Não só nas provas, mas nos treinamentos também, pois é durante este período que os atletas se conhecem, aprendem a se entrosar, e durante as competições repetirão aquilo que aprenderam durante o treinamento. A questão de quem vai vencer ficará para quem estiver melhor naquele dia, desde que todos tivessem trabalhado corretamente, e seguido as estratégias impostas pelo técnico. Por isso a importância de se ter um profissional competente, com visão e experiência no assunto. Mas tudo isso só pode se tornar possível se houver planejamento de treinamento do grupo todo, em locais apropriados para isso, e que eleve o nível técnico dos atletas, a serem testados nas competições internacionais.



MundoTRI: Como você vê o cenário do triathlon olímpico brasileiro atualmente? Alguma aposta para 2012?



Sandra Soldan: É um cenário baseado unicamente em novos talentos. Houve um vácuo entre a geração mais velha, da qual fiz parte, e a mais jovem. Esta reciclagem não precisava e não deveria ter sido assim. Houve descaso e não se valorizou o resultado de nossa geração para o triathlon nacional. Isto não acontece em esportes com mais estrutura, como a natação, o vôlei, a ginástica olímpica; as respectivas confederações aproveitam os atletas mais experientes e que tiveram grandes resultados para trabalhar juntos em busca de melhores resultados, pois existe uma mentalidade diferente; a de melhorar cada vez mais e, para isso, é importante que se junte todas as forças disponíveis formando um grupo mais forte, passando por cima de diferenças e disputas de brios, característico do ser humano.



Não aposto em ninguém, pois é um resultado impossível de se antecipar, já que todos os atletas do mundo estão se preparando mais do que nunca, para o maior evento esportivo do planeta. Para 2012 deve-se ter em mente que será muito mais difícil se não houver mudanças drásticas no planejamento de curto prazo.





Sandra Soldan continua em ótima forma.

MundoTRI: E no cenário de longa distância e de competições curtas sem vácuo?



Sandra Soldan: O cenário de provas de longa distancia está ficando cada vez mais amplo e disputado. É crescente o numero de atletas participando deste tipo de prova, por ter uma característica de desafio maior; e é isto que o triatleta é movido. Com mais adeptos, o esporte cresce, e leva junto mídia e patrocinadores, chamando a atenção de mais atletas, em um circulo vicioso muito positivo. As provas passam a ser muitas, aumentando as opções para os atletas em serviço oferecido, com maior qualidade em todos os níveis. A tradicional oferta de mercado, com todas as vantagens que isto implica. Além do que, a falta de contato do atleta com qualquer tipo de cartola do esporte, torna essas provas mais atrativas.



MundoTRI: Qual a principal diferença que você vê das Olimpíadas passadas para a próxima para os atletas brasileiros do triathlon?



Sandra Soldan: A distancia entre o triathlon nacional e o internacional está aumentando pela carência em intercambio internacional para os atletas. Isto é essencial. Dividido entre treinamento e competições, estes estágios devem ser feitos em épocas diferentes do ano, conforme o calendário de competições. Mais uma vez, isto deve ser planejado por pessoal competente, que entende de fisiologia do exercício e treinamento esportivo e principalmente, que entenda de triathlon.



MundoTRI: Alguns atletas brasileiros acabam caminhando para o circuito Ironman e o Troféu Brasil devido à maior exposição na mídia e a possibilidade de angariar mais patrocínio. Como você vê o impacto disso no desenvolvimento dos triatletas olímpicos brasileiros? (vale lembrar que grandes triatletas internacionais, após começar no Ironman não conseguiram mais se manter no mesmo nível na distância olímpica.)



Sandra Soldan: Na verdade, se o atleta for bem assessorado, e tiver resultados expressivos, ele conseguirá bastante dinheiro no triathlon olímpico. São Jogos Olímpicos, onde a mídia faz cobertura massiva durante o ano todo. E ano de Jogos Pan Americanos também. Nos outros 2 anos deve-se sobreviver das provas promocionais,como estas citadas. Ao meu ver, o triatleta pode explorar todos os tipos de distancia em sua longa carreira esportiva; basta ter paciência e fazer tudo com planejamento e orientação.



Seguir o desenvolvimento fisiológico normal, respeitando os limites de um ser humano, ele é capaz de começar com distancias menores e, conforme o amadurecimento do corpo e mente, ao longo dos anos, e treinamento correto com planejamento de provas que respeite isso, o triatleta é capaz de seguir carreira por muitos anos de forma saudável e duradoura, ganhando dinheiro consequentemente.



Eu penso que o triatleta nunca deve almejar ganhar dinheiro como objetivo principal; isto é uma conseqüência, assim como o resultado de uma prova. Nesta linha de pensamento, ele nunca deve se meter a fazer todas as provas que aparecerem pela frente; deve-se planejar e seguir o que estava proposto a se fazer.



Quanto ao impacto no triathlon olímpico, cabe a Confederação criar formas de tornar as provas oficiais mais atrativas para os atletas. Aumentando as premiações, tornando a organização das provas mais profissional e acima de tudo pensar mais nos atletas.



MundoTRI: Sandra, você poderia descrever rapidamente o processo de coleta e análise do exame antidoping no Brasil? Os exames feitos no Brasil já conseguem encontrar a EPO, CERA e GH na urina?



Sandra Soldan: É padrão internacional da WADA – a Agencia Mundial Anti Doping. Isto é muito importante, pois precisa haver uma igualdade nos procedimentos , desde a coleta até o exame laboratorial no mundo inteiro. Os kits de coleta são Behring, de um laboratório belga. O procedimento de coleta também é padrão, para não haver conflitos para os atletas, que estão sujeitos a fazer diversos deles ao longo de sua carreira competitiva. Existem atletas da natação que fazem mais de 25 controles no ano, dentro e fora das competições. Quanto maior o nível do atleta, mais controles ele fará.



O laboratório para o qual eu envio as minhas amostras é o de Montreal, referencia internacional. A médica responsável pelo laboratório é muito competente, realizando a análise mais rapidamente que o LADETEC, mais eficientemente, e a um custo menor. Portanto, é questão de oferta de mercado. E todas estas substancias já são detectadas na urina; ou por sua estrutura química completa, ou por traçadores bioquímicos – direta ou indiretamente.





Sandra Soldan

MundoTRI: Quanto custa um exame antidoping? Desde o custo do laboratório ao custo do médico se deslocar para fazer o exame? Quantas pessoas são necessárias?



Sandra Soldan: O custo de uma amostra simples de urina é de cerca de R$ 1.050,00 com analise em Montreal, envio de Fedex, papelada da ANVISA, médico, telefone. Para EPO, que é feito um pedido à parte, custa-se R$ 1.500,00 nas mesmas condições. É necessário um médico DCO (doping control officer) e um escolta para cada atleta controlado, que o acompanhará durante o processo.



MundoTRI: Você tem idéia de quantos exames Antidoping são feitos no Brasil e pela CBTri por ano? Você tem algum dado de outros países?



Sandra Soldan: A CBTri ainda não realizou nenhum controle neste ano. E no Brasil a estatística é posse do Dr. De Rose, da WADA. Mas já posso te antecipar que o numero é crescente, variando de esporte para esporte, pois ainda é vinculado às confederações e COB. Vale lembrar que doping é a segunda maior preocupação do presidente do COI para Jogos Olímpicos, perdendo apenas para atos terroristas.



MundoTRI: Em sua opinião, qual exame é mais eficaz, em competição ou fora da competição? Se fosse para escolher um qual você escolheria para o triathlon?



Sandra Soldan: O tradicional de urina para EPO com o de sangue na véspera das competições, quando se colhe 2ml da ponta do dedo de todos os atletas que estão inscritos, para avaliar vários parâmetros fisiológicos, tendo um perfil biológico daquele individuo, que será comparado às amostras futuras dele mesmo (passaporte biológico).



MundoTRI: No triathlon, a quase 2 anos não temos exames antidoping nos campeonatos brasileiros. Os dirigentes brasileiros não tem preocupação em ter um esporte limpo ou realmente é falta de verba para realizar os exames?



Sandra Soldan: Não é falta de dinheiro. É falta de interesse. Quando se quer fazer algo, eles tem dinheiro, como foi na seqüência dos Jogos Sul Americanos, quando embarcaram uma equipe de cerca de 20 atletas para o México por 1 semana, para uma prova internacional. Não estou dizendo que isto esteja errado, mas é questão de colocar na balança as prioridades. E parece que o controle de doping não é uma delas.



MundoTRI: O coordenador técnico da CBTri disse que, na 1ª Etapa do Brasileiro este ano, fizeram o “pedido em tempo hábil, mas a proximidade dos Jogos Sulamericanos com a prova de Vitória impossibilitou a presença dos responsáveis pelo controle antidoping.” Essa informação procede?



Sandra Soldan: Não. Fui a DCO escalada para executar o trabalho, e já estava com a agenda programada para ir à Vitória. Recebi um e-mail do COB avisando que não se realizaria mais o controle naquela competição por falta de planejamento da CBTri.



MundoTRI: Sabemos que a CBTRI tem uma verba destinada de 60mil reais para usar este ano direcionada para o controle antidoping. Quantos exames conseguiríamos fazer com esse valor durante o ano inteiro?



Sandra Soldan: É o bastante para se fazer ao menos 40 controles para EPO. E ainda nem começamos.



MundoTRI: De quem é a culpa por não ter mais exames e exames surpresas no Brasil?



Sandra Soldan: É a CBTri quem deve solicitar o pedido de controles em uma competição. Assim acontece na CBDA, na CBAt , na CBC, na CBB, na CBHoquei, na CB Golfe,etc. Ainda estou aguardando a decisão da CBTri de começar a fazer. Sentada.



MundoTRI: Tem algum esporte que está investindo mais no controle antidoping? Quais os resultados?



Sandra Soldan: Sim. A CBAt é a que mais está investindo em controles dentro e fora de competição no Brasil. Neste ano a previsão é de 700 controles. Mas são muitos esportes dentro de um só. A CBDA também está aumentando o numero de controles ao longo do ano, ampliando para todos os 5 esportes aquáticos, fruto de muito esforço pessoal , e muita dor de cabeça. Mas se for preciso mais, não meço esforços.



MundoTRI: Mais alguma observação?



Sandra Soldan: É sempre importante lembrar que isto tudo é feito por um único motivo: PRESERVAR O ESPIRITO OLIMPICO. O fair play. O Olimpismo. Valores que estão esquecidos nos dias de hoje, com o excesso de profissionalismo e mídia envolvidos. Não que isso seja ruim; muito pelo contrario. Mas, com o desenvolvimento natural e desenfreado de anos, o esporte olímpico passou a ser um salto para o sucesso a qualquer custo; e este é o problema. O problema está na raiz. Se não tivermos uma política de educação olímpica eficaz a nível mundial, estaremos sempre perdendo espaço para os sujeitos metidos a esperto, querendo pegar o caminho mais curto para a vitória, ou o mais fácil. E o que não falta é isso. E estes são os primeiros candidatos a serem controlados para doping. Pois o caminho para a vitória deve ser árduo, pedregoso, com quedas até se chegar ao objetivo final, construindo um individuo com valores positivos, de atitude correta, disciplinado e determinado. É disso que um verdadeiro atleta é feito. E é por isso que o Jogos Olímpicos foram criados e recriados na modernidade pelo mais ilustre pensador e defensor deste assunto de todos os tempos; o Barão Pierre de Coubertain. Sua historia deveria ser contada para todos aqueles atletas que estão viajando e participando pela primeira vez de uma Olimpíada. É a educação olímpica

2 comentários:

  1. A decadência da CBTri é latente!
    No mês passado a ITU divulgou os nomes dos atletas contemplados no programa de desenvolvimento deles, no qual está a chilena Barbara Riveros, e mais uma vez não tinha nenhum brasileiro!
    Ótimo post!

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  2. E não podemos dizer que é por falta de atletas, pois o Chile é muito menor que o Brasil e com certeza tem menos atletas. Mas a estrututa e comprometimento dos diregigente de lá com certeza é maior.

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